quarta-feira, setembro 21, 2005

PÓSTERO


Cláudio Sampaio (1972-2002)


“Ah, meus amigos, não vos deixeis morrer assim... O ano que passou levou tantos de vós e agora os que restam se puseram
mais tristes; deixam-se, por vezes, pensativos, os olhos perdidos em ontem, lembrando os ingratos, os ecos de sua passagem; lembrando que irão morrer também e cometer a mesma ingratidão.” (Vinícius de Moraes in “Amigos Meus”)


ENCONTRO

“...adoecer e morrer são ainda processos de viver
em que a pessoa se acha engajada.

Mas desvanecer-se,
deixar um buraco no mundo,
desaparecer no esquecimento
- isto é assunto bem diverso”

(Ernest Backer, in “A negação da morte”)



Combinamos de almoçar juntos no sábado.
Ele chegara de viagem e tinha as fotos de sua temporada de 35 dias em Miami,
Nova Iorque e Caribe, onde havia participado de várias feiras, montado os stands com um ajudante, apenas.
Foi bem sucedido em tudo e estava orgulhoso, com perspectivas
de promoção na empresa.
Comentei sobre seu ótimo aspecto; ele que sempre fora magro e pálido, havia ganho alguns quilos e as faces estavam rosadas.
Após o almoço fomos brindar em minha loja, com cafezinho e licor de ameixa, feito por mim e que ele adorava.
Pediu-me para deixá-lo em sua casa às 15 hs. Tinha que lavar umas roupas para novamente viajar para o Uruguai na segunda feira.
Morava só num apartamento antigo que ele gostava muito e à cada promoção eu assistia, cúmplice, as melhorias.
Pintara as paredes e o teto com estampas bizarras e dava tratos à bola para minha opinião.
Deixei-o em casa. Nos abraçamos ternamente pela última vez. No domingo o celular não atendeu.
Na segunda, imaginei-o no Uruguai, “vendendo seu peixe”. Assim foi na terça.
Eis que na quarta feira recebo um telefonema: Claudinho fora encontrado morto em sua cama.
Havia estado com os amigos , fazendo uma via-sacra pelos bares na madrugada de domingo.
Estava ótimo, todos disseram, tal como eu o havia deixado na véspera.
Entrou em casa por volta das cinco hs da manhã de domingo; trancou a porta e foi dormir...para sempre...
Patético desaparecimento ! Ficou um buraco no mundo ! Um buraco enorme no meu mundo !
Meu amigo partira aos 30 anos . As causas foram contraditórias: aneurisma, ou asfixia, ou sei lá o que !
Lembrei-me, então, de uma curta passagem entre o restaurante e a loja, enquanto caminhávamos lado a lado,
felizes pelo reencontro e eu rejubilada pelo seu progresso na vida e nos negócios.
Ele falou-me, como a me perguntar, que intuía uma grande mudança em sua vida, algo radical.
Não lhe dei ouvidos, afinal, mudava tanto mesmo; por duas vezes havia morado em Londres ,
conhecia quase o mundo todo, ademais, ariano tem uma tendência para fantasiar !
Ficou pra mim que ele estava se despedindo e sabia disso, o safado !


CARTA A UM GUERREIRO

Amigo de longas caminhadas
E penosas estradas.
Tua ausência
Neste mundo de terras e pedras
Esculpiu-te o busto,
Eternizando-te.

Aqueles que te acompanharam na jornada
Viram-te o sangue escorrer

Das feridas abertas.
Viram-te o esforço das mãos
Empenhadas no trabalho
De transformar velhas ruínas
Em templos de esperança

Aqueles que te conheceram a alma,
Em todos os seus matizes,
Do negro, de profundas tristezas da infância
À branca luz da bondade
Translúcida em tua face
Nesse jogo de luzes e cores
Em que te humanizavas,
Eras homem de verdade
Por jamais fugires à luta.
Soubeste honrar a dor de ser homem
Com a coragem dos guerreiros.
Amigo, meu coração te saúda !
Onde quer que te encontres,
Estarás sempre perto, pois és parte
Sólida da sofrida massa de que é feita
A história de cada um de nós.

Clarissa Enderle 13.07.02


“Da saudade na campa enegrecida
Guardo a lembrança que me sangra o peito,
Mas que no entanto me alimenta a vida”
(Augusto dos Anjos).

7 comentários:

Anônimo disse...

Puxa, Carmencita - tudo o que já ouvi sobre o Claudinho, seja pelo Rubens ou por você, me faz ter saudades dele também, apesar de só termos nos visto uma única vez.
A falta de sentido é o que mais nos assombra quando assistimos a partida prematura de alguém que tanto ainda tinha por realizar. Vamos tão inebriados atrás de nossos interesses que esquecemos que "tudo agora mesmo pode estar por um segundo", depois do qual nada daquilo que nos era tão caro, conta mais.
Só vejo o Amor, como caminho de uma vida, e também como possível remédio para quando o chão nos suma sob os pés na perda de alguém. Só o Amor exercido plenamente em vida poderá nos confortar quando nos faltarem.
Só o Amor.

COISAS DE CARMEN disse...

É mesmo. Eu não tinha pensado nesses termos, mas só o amor nos deixa também essa lembrança que eterniza a pessoa. Cá no meu íntimo essas pessoas não morreram. O Cláudio que viajava muito, só não está fisicamente presente, mas tem uma dinâmica no meu imaginário.

Anônimo disse...

Dizer o quê Carmencita?, alèm das lágrimas, só me vem â mente esse poema de Hernandez que diz

No hay extensión más grande que mi herida,
lloro mi desventura y sus conjuntos
y siento más tu muerte que mi vida.

Temprano levantó la muerte el vuelo,
temprano madrugó la madrugada,
temprano estás rodando por el suelo.

No perdono a la muerte enamorada,
no perdono a la vida desatenta,
no perdono a la tierra ni a la nada.

Anônimo disse...

El usuario anonimo sou eu
Laura

Anônimo disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
Anônimo disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
Anônimo disse...

Dindin, que linda as fotos das amiguinhas. A poesia então!?!?!tá mais linda ainda. Que dom! A única objeção é o chapéu que não é tão lindo como o que levastes daqui de Pelotas, com griffe e tudo. Saudades bjs Tinin